Meu chamado

Toda tentativa de contato contigo, fora do mundo paralelo que você criou, é motivo para me estremecer durante minutos. É um tremor que me leva a duas extremidades: a da vida e da morte. Sei que estou viva porque ainda consigo pensar, pensar inclusive na consequência desse contato inoportuno, inadequado. Sei que estou batendo à porta da morte porque a minha frequência cardíaca é tão intensa que chega a sufocar.

Era apenas um pedido de socorro de quem está sofrendo com essa transição celeste. Fui invadida por um vazio e meu chamado foi só uma maneira de aliviar esses desfalques que nos surpreendem dia após dia. Por causa do recesso que não passa nunca tenho sofrido sozinha, olhando para uma pôster na parede que ilustra dois anos seguidos de glórias. Restaram poucas peças, talvez apenas a mais antiga de todas elas, brinco: a Muralha celeste.

Eu estava à beira da morte por sufocamento ou então porque você me mataria. Provavelmente a segunda hipótese estivesse mais certa. Mas não é uma morte de corpo, é de memória. Eu deixaria de existir pra você e essa é a  maneira mais dolorosa de matar alguém, sabia?

Meu chamado tinha uma última palavra, um último suspiro e deixei que eles escapassem, pensando seriamente nas consequências. Quem vive nas profundezas nunca deve ir à superfície. De repente, desconsidero o lugar que ocupo, mas o seu silêncio me faz relembrar onde é que devo permanecer. Esse silêncio era uma das três possibilidades de reação e a mais óbvias de todas elas. Não te conto quais eram as outras duas. Ou conto? Penso que assim que eu terminar esta página, você já terá vindo e reagido e, para a minha surpresa, de acordo com as três chances. Digo isso porque hoje de manhã sua presença, sempre tão esperada, foi uma realidade. Eu estava andando numa pressa e passando em frente à lanchonete que serve os pasteis que tanto gostamos e que leva o mesmo nome pelo qual você me chama, o único nome, já que o meu verdadeiro jamais foi citado em suas falas. Então, você me pede para cumprir com o único papel que eu tenho na sua vida, embora eu seja sempre contestada por tal afirmação.

Sua presença apressada mais do que o normal, mas com promessa de retorno, foi o suficiente para fazer com que eu desse sorrisos daqueles que são capazes de expor minha alma para quem me vê. Mas alegria de gente boba dura pouco, menos ainda do que de pobre e posso falar com propriedade, pois sei como é ser os dois. Eu não havia me atentado para a parte em que você queria conversar comigo. Qualquer um que ouve que precisa ter uma conversa pensa em todas as atrocidades que fez na vida, isso é inevitável. Então, um semblante feliz deu lugar à expressão de quem vai receber uma punição severa. Mas será possível? Vindo de quem não poupou em ser duro outras vezes, sim. E a sentença será a sua ausência por toda eternidade. Se assim for, a cidade que eu vivo 'pariseando' dará um jeito de diminuir a pena. São muitas esquinas para a gente se encontrar, assim, por acaso.